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“Obscenidade” do tempo veneziano. Alguns projectos contemporâneos não realizados e outros realizados.

giugno 20, 2010

di Luca Maria Folgore, Luca Guido

Pubblicato su JA, journal arquitectos, n° 229

“Vive-se em Veneza como num agradável exílio, não só da terra, mas também do tempo”.
em “Il Cielo sulle città” de Vincenzo Cardarelli
Por obs-cenidade entendemos o significado mais profundo e oculto que se encontra na origem da palavra, que é o sentido expresso pelo grande teatro.
O-scenità para indicar alguma coisa que pelo seu significado “particolar” apresenta-se como imensamente diferente de “tudo” aquilo que se pôe em cena, ou seja da arquitectura espectacularizada e desejosa de ocupar a cena a sobrepondo-se ás obras-primas da arquitectura contemporânea veneziana.
Os projectos contemporâneos elaborados para Veneza, mas não realizados, viceversa nunca foram em cena, mas sobretudo não os poderiam nunca realizar porque cheios da mais profunda peculiaridade e alteridade ao pensamento comum e dominante que esses projectos não quereriam nunca realizar.
E Veneza infelizmente ficou sempre imutável e embalsamada como uma múmia, principalmente quando poderia ter aprendido dos “Capricci” de Canaletto da alteridade seria vivificada e glorificada da sua mesma imagem: uma ponte paladiana para Rialto, a Basílica paladiana de Vicenza e Palácio Chiericati colocados no Canal Grande não modificam minimamente uma cidade que apesar da descontextualização de edifícios “modernos” fica sempre a mesma (cfr. Capriccio Veneziano, olio su tela 60X82 cm, Galleria Nazionale, Parma).
O des-agradável exílio indicado por Cardarelli, na verdade, foi o exílio que a arquitectura moderna\ em Veneza sofreu desde o Renascimento, sobretudo durante o século XX.
As forças reaccionárias ao contemporâneo venceram mais do que uma vez: primeiro com Wright que projecta um magnífico palácio “in volta” do Canal Grande e mais tarde com o projecto de hospital elaborado por Le Corbusier. Tanto para um projecto como o para outro, uma vez iniciado o processo burocrático, serão logo criados obstáculos e os edifícios nunca serão realizados.
Também Louis Kahn e Ludovico Quaroni, respectivamente com os projectos para um Palácio de Congressos nos jardins da Bienal de Veneza e para um bairro residencial em San Giuliano, não serão mais realizados. Todavia estas propostas, como aquelas precedentes, serão íconas significativas do imaginário arquitectônico de muitos jovens arquitectos e experimentadores. No fundo em Veneza aquilo que não conseguiu Le Corbusier conseguiu Luciano Semerani projectando o novo hospital de San Giovanni
e Paolo oferecendo como repertório formal arcos, tímpanos e tipologias. Uma “delícia” exposta sobre a lagoa veneziana. E não se recordam o projecto-provocação desenhado para a área Ex Saffa de Cannaregio por Peter Eisenman? Que è pensam exista agora? Infelizmente uma pouco significativa realização do nosso italianíssimo
Gregotti, enquanto não muito longe surge a intervenção terrivelmente visível, à qual não acrescento outros comentos, de um professor universitário que ocupou parte da área do projecto corbusiano.

O significado comum que se dá à palavra obsceno, usada para indicar alguma coisa de indecoroso, indecente e de ofensivo face ao pudor e/ou do contexto, vem totalmente invertido em Veneza, mesmo se a tentativa de a usar para indicar certas arquitecturas contemporâneas ou determinados delitos arquitectônicos que foram cometidos é bastante forte.
Enquanto os académicos praticavam em produzir lucubrações dignas da categoria, mas com resultados péssimos, sujando as mãos com o lápis na mesa de desenho, no decorrer dos anos aconteceu de tudo.
Em tantos se bateram contra Wright, Le Corbusier e principalmente contra Carlo Scarpa, por isso contra arquitectos modernos, e ninguém impediu a realização de construções de má qualidade no interior do tecido urbano ( por exemplo os prédios de Rio Novo, o Banco a San Luca, o hotel Danieli, etc…).
Muitos menos se fez pelas pequenas obras-primas do moderno que foram alteradas ou desmontadas, ou pior ainda esquecidas; Precisamente refiro-me ao projecto do futurista Angiolo Mazzoni para a central térmica da estação ferroviária de Veneza – um pequeno edifício em parte alterado – a variados projectos de Scarpa e aquele mais recente, o projecto para a nova sede do IUAV (1997), que foi totalmente abandonado da faculdade de arquitectura veneziana.
Deste último acontecimento o sentido evidente que emerge é aquele que uma parte do mundo cultural universitário não acreditava verdadeiramente nos valores de um projecto moderno e principalmente de um projecto experimental como este de Miralles. È mesmo pelo facto de não ter dado seguimento a um projecto vencedor de um concurso, mas que tinha ainda superado a complicada burocracia italiana, é simbólico, assim como é simbólica a mensagem negativa para os estudantes. Quando em vez disso a faculdade arquitectura deveria ter dado seguimento a projectos dos quais não existem sinais, nem livros de história, nem nas revistas especializadas, não obstacularam mínimamente estas realizações que foram directamente entregues a alguns professores da escola.
Em Veneza nem o restauro- menos aquele de Scarpa – foi totalmente compreendido como recursos do moderno, dada a ilusão de trabalhar com a verdadeira matéria do restauro ou seja com as prácticas de maquilhagem do cadáver da história resultaram muitas vezes mais consoladoras que o normal procedimento “estratigráfico” da mesma história.
Estando convencido que o verdadeiro restauro não se limite na conservação e nela tutela, mas sobretudo no facto que estas coisas possam acontecer através de sinais contemporâneos ou através um aparato moderno que valorize a preexistência.
Propondo muitas vezes paradoxos sem tempo do onde era, como era (considera o caso da torre de S. Marcos como o do teatro La Fenice) foi atacada a legitimidade do projecto contemporâneo como “estratificação” relativa a um aparato histórico restaurado apenas na sua matéria material e não na sua imagem.
O único conforto que resta, numa Disney-Veneza por bandos de gafanhotos turísticos museolizados principalmente “de uma velhacaria estomacal” no confronto do moderno é aquele de pensar em Veneza como uma máscara não certo carnavalícia, atrás da qual seja ainda possível perceber algum pulsar de coragem não sufocado do excessivo “luar de quarto mobilado” que perturba as mentes de quem dirige o pensamento à cidade lagunar.
Isto porque da cidade é preciso saber colher os sinais, como nos foi ensinado por Thomas Mann em “Der Tod in Venedig” e também em Luchino Visconti através da sua transposição cinematográfica, na beleza existe uma advertência de morte: fascinados pela beleza não percebemos a degeneração colérica que se multiplica à nossa volta.
A maquilhagem ostentada sobre a nossa “máscara” como aconteceu a Gustav von Aschenbach estendido no seu último dia sobre uma cadeira na praia, transforma-se numa triste tentativa de esconder a verdade das formas no desenrolar nos últimos instantes de vida.
E da mesma forma certas arquitecturas estendem apenas um véu lastimoso sobre os valores da modernidade tentando esconder propria exibiçao esquelética de mero involucro.